LA_Arquivo

Uma recolha de críticas da autoria de Lauro António, aparecidas em diversas publicações portuguesas.

domingo, junho 25, 2006

VINCENT GALLO:
“BUFFALO'66”

Billy Brown esteve preso cinco anos por um crime que não cometeu e regressa à sua cidade natal, Buffalo, e a casa dos pais, com um único objectivo: matar o homem que ele julga ser a causa da sua fracassada vida, Scott Woods, um jogador de rugby, que falhara uma jogada decisiva numa final. Com este falhanço de Scott Woods, que muitos julgam ter sido intencional, Bill perdera a aposta da sua vida e ficara com uma pesada dívida. Teve de confessar um crime que não cometera para o débito ser saldado, o que lhe roubou cinco anos de vida.
Regressa sem grandes esperanças. Sabe o que o espera em casa dos pais: uma mãe absorvida pelo rugby e com uma paixão desmedida pelo clube da sua terra, o que a leva a nunca ter perdoado a Billy Brown o facto deste, com o seu nascimento, a ter obrigado a perder uma final – a última vez em que os Buffalos foram campeões. O pai, velho cantor de charme perdido, é um homem ressabiado, violento e agressivo.
Para os visitar, e porque nunca lhe dissera que estivera preso, tem de inventar na realidade uma namorada que imaginara ao longo dos anos de cativeiro. Para isso rapto uma aluna de bailado, Layla, que se passará a chamar Wendy para efeitos de encenação. Layla não representa porem contrafeita este papel, e lentamente vai-se apaixonado por aquele rapaz solitário e frágil na sua aparente violência. Ambos vivem umas horas de um dia que poderia ter terminado em tragédia, mas que o destino se encarregará de desviar para outras áreas. Por volta das duas da madrugada, quando Billy encontra Scott Woods, o jogador que agora é dono de um cabaret de striptease, já não é o mesmo Billy Brown que saíra da cadeia de madrugada, com uma ideia fixa na cabeça e nada a perder. Billy Brown descobriu o rosto de uma mulher, a segurança dos seus braços, e um amor correspondido.
Este é o surpreendente filme de estreia, como realizador, co-argumentista e autor da música, do actor Vincent Gallo, que já conhecíamos, como intérprete, em obras como “O Funeral”, de Abel Ferrara, ou “Arizona Dream”, de Emir Kusturika. Enquanto actor, Vincent Gallo criou já um estilo e pode dizer-se que a sua ascendência latino-americana e a sua própria aparência física o predestinaram para papeis de gangsters e mafiosos. “Buffalo 66” mantem este enquadramento, mas surpreende pela sensibilidade demonstrada, pela destreza da realização, pelo pudor do olhar, pela fulgurância poética e trágica da sua escrita, irreverente, nova, radical, moderna.
Desconcertante nas suas declarações, de um radicalismo extremo, com ideias claras que contrastam com a deambulação, a deriva on the road da personagem, Vincent Gallo dirige uma obra que é por vezes excessiva e rebuscada numa ou outra situação, mas que globalmente se mostra uma das grandes revelações dos últimos anos na América. Há momentos belíssimos nesta primeira obra que investe inteiramente na sua própria novidade. A sequência numa máquina de photomaton, com Billy “dirigindo” Layla (“Nós somos um casal, nós amamo-nos, nós passamos o tempo juntos”) é notável. A refeição em casa dos pais (uma mesa, quatro pessoas, planos alternados que vão elidindo uma das pessoas de cada vez) é de uma construção narrativa invulgar, funcionando admiravelmente. A cena de amor entre Billy e Layla, filmada num plongée vertical que enquadra a cama como um quadro é sublime e culmina numa “Pietá” fetal que “explica” todo filme. Mesmo o genérico inicial, com imagens múltiplas, é particularmente bem logrado. Para lá de um dos melhores actores da sua geração (aqui bem acompanhado pela fabulosa Christina Ricci), Vincent Gallo é agora também uma das mais vivas esperanças do seu cinema.

BUFFALO 66 (Buffalo 66), de Vincent Gallo (EUA, 1998), com Vincent Gallo, Christina Ricci, Ben Gazzara, Mickey Rourke, Rosanna Arquette, Angelica Huston, etc. 105 min; M/ 12 anos. Mundial Vídeo /Lusomundo Audiovisuais. in "A Bola" de 16.04.2000

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