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Uma recolha de críticas da autoria de Lauro António, aparecidas em diversas publicações portuguesas.

domingo, junho 25, 2006


MARC FORSTER:
“DEPOIS DO ÓDIO”


“Monster’s Ball” é uma das boas surpresas da temporada e, apesar do Oscar que Halle Berry ganhou para “a melhor actriz do ano”, o filme talvez merecesse sair da cerimónia com mais alguma coisa nas mãos. Trata-se de um drama (ou melodrama?) de cariz social muito bem realizado, com eficácia narrativa, austeridade de processos, pudor e sensibilidade por um jovem, Marc Forster, suiço-alemão de nascimento, mas que trabalha no cinema norte americano desde 1995, e que até agora dirigira apenas “Loungers” (1995) e “Everything Put Together” (2000), antes de se tornar internacionalmente notado com “Monster's Ball” (2001). Tem neste momento entre mãos “Never Land”.
Tendo como cenário a América profunda, mais precisamente uma pequena cidade sulista, onde o racismo ainda está mais do que latente em muitos dos seus habitantes, “Depois do Ódio” reúne duas personagens que tudo parecia apontar nunca se encontrarem em sintonia: Hank Grotowski (Billy Bob Thornton) é guarda prisional, e acompanha as últimas horas de um negro condenado à morte, que deixa viuva Letitia Musgrove (Halle Berry). Hank é o elo de ligação de uma família de carrascos prisionais que tem no pai, Buck (Peter Boyle), o exemplo típico do racista puro e duro, militarista, machista e fascista retinto, e no filho Sonny (Heath Ledger), a esperança de uma mentalidade em transformação, mais aberta, mais límpida, mais humana e justa. O que o levará a sofrer com a execução a que tem de assistir. Uma prova de fraqueza que o pai não tolera, e que irá precipitar trágicas consequências.
No dia a seguir à execução de um negro que ninguém parece chorar e cujos desenhos apenas perpetuam a sua passagem pela Terra, duas famílias sofrem numa cidade perdida na aridez da paisagem do Sul dos EUA. Por ironia do destino (e intenção dos argumentistas Milo Addica e Will Rokos, também eles candidatos a Oscar), ambas perdem um filho e ambas se encontram na dor. Hank e Letitia, um guarda prisional racista que acabou de executar eficazmente um negro, marido de Letitia, e esta, uma negra revoltada com a injustiça da sociedade onde vive, cruzam-se numa estrada batida pelo vento e a chuva, e juntam-se num mesmo percurso que os irá retirar da solidão mais profunda e permitir alguns momentos de felicidade (“faz-me feliz”, pede Letitia a Hank, antecedendo uma violenta e crua cena de sexo, que é um dos momentos mais conseguidos e pungentes deste belo filme sobre sentimentos em crise).
Marc Forster não é realizador para se comprazer com rodriguinhos e efeitos fáceis. O seu olhar é distante, mas comprometido. A sua câmara filma longamente planos que deixam rastos de situações anteriores (um cigarro num cinzeiro, um guarda chupa abandona na berma da estrada...) e estes indícios permanecem como referências que condicionam o clima geral do drama que, nasce tenso, e se vai acentuando ao longo de uma viagem pelo interior de personagens dilaceradas pelo ódio, que persistem porém em viver e amar, agarradas a esperanças que teimam em permanecer vigilantes.
Para um filme destes, Marc Forster tinha de contar com actores de excepção para impor personagens de difícil caracterização. Billy Bob Thornton é notável como sempre, criando uma figura interiorizada, fria, dura, mas que lentamente vai recuperando (ou ganhando) humanidade; Halle Berry é brilhante num trabalho nervoso, vibrante, emotivo, com os sentimentos a explodiram à flor da pele; Peter Boyle, recorda uma personagem por si interpretada há largos anos, “Joe”, e merecia dele não se terem esquecido nas nomeações para os Oscars de secundários; quanto a Hearth Ledger, que nos lembre, é a sua mais convincente interpretação, lembrando James Dean na derradeira cena em que aparece, confessando o seu incompreendido amor pelo pai (Por aqui passa “A Leste do Paraiso”).
A descoberta do amor a partir de um sentimento de carência é a base desta bela obra que o espectador não deve perder. Não é todos os dias que o cinema nos oferece um filme visualmente tão intenso e tão rigoroso no seu traçado emocional.

DEPOIS DO ÓDIO (Monster's Ball), de Marc Forster (EUA, 2001), com Billy Bob Thornton (Hank Grotowski), Halle Berry (Leticia Musgrove), Peter Boyle (Buck Grotowski), Heath Ledger (Sonny Grotowski), Sean 'Puffy' Combs (Lawrence Musgrove), Dante Beze (Ryrus Cooper), Coronji Calhoun (Tyrell Musgrove), etc. 111 minutos; M/ 16 anos. / in “A Bola”, de 14.04.2002

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