LA_Arquivo

Uma recolha de críticas da autoria de Lauro António, aparecidas em diversas publicações portuguesas.

sábado, junho 24, 2006

SAM MENDES:
“BELEZA AMERICANA”


Uma família americana, num suburbano bairro americano, povoado por americanos típico dos anos 90. As frases em moda: "Eu sou o Rei!", "Eu não quero ser vítima!", "O segredo do meu êxito está em mostrar sempre uma imagem de sucesso", "Eu não sou vulgar!"... Ao lado, um pobre diabo que confessa que "ele próprio também se teria esquecido da sua cara." Despedido do emprego, donde sai com uma pequena "recompensa" para calar uma chantagem de última da hora, fracassado como marido e pai, Lester Burnham é a imagem do falhado a quem a mulher dá ordens e a filha odeia. Um homem "vulgar", o pior que a América do "triunfo económico" consente. Na casa ao lado, um casal de "gays" bem sucedidos na vida. Do outro lado da cerca do jardim, um velho oficial reformado, que guarda religiosamente faianças nazis, com um filho que oculta a sua actividade de "dealer" e vai gravando em vídeo momentos desta "beleza americana". E uma mulher embalsamada em indiferença e maus tratos. Dir-se-ia uma comédia de costumes, mas o olhar distante de Sam Mendes restitui-nos num realismo estilizado, por vezes fantástico e onírico, esta nova "tragédia americana", que rapidamente sufoca o riso e deixa crescer a angústia.
Raras vezes o cinema norte americano actual foi tão crítico e tão desesperado. Contra uma árida parede, um saco de plástico branco revolteia ao vento, num chão amassado de folhas mortas - este é o momento de "beleza" que o vídeo amador resguarda de dezenas e dezenas de horas de gravação. A ambição do lucro fácil e do triunfo pessoal transforma a sociedade americana numa parada de pequenos e grandes monstros ávidos de poder - e que outro poder pode ser mais sensível do que o de uma arma a disparar, numa carreira de tiro, ou no crânio de alguém que subitamente se torna incómodo?
Nunca há, no entanto, um olhar de desprezo para com este "puzzle" das fragilidades humanas. Que ternura se não esconde nas relações que se estabelecem entre Lester e Angela, a amiga da filha, quando esta confessa que é a "primeira vez"? Que solidão terrível esconde o olhar perdido da mulher do velho oficial? Que drama oculto não varre a chuva que cai na noite em que este procura Lester na sua garagem? A angústia da mulher de Lester abraçando as camisas penduradas no guarda roupa? O ódio confessado para a câmara de vídeo pela filha de Lester? A ternura de uma mão que procura outra. O acariciar de um braço. A sobrevivência da emoção, para lá do horror. “Re-Animator” - uma cabeça decepada que persegue a beleza.
Admiravelmente dirigido por Sam Mendes, interpretado de forma tocante por um elenco sem falhas, “American Beauty” prefila-se como o mais sério candidato aos Oscars de Hollywood. Estará alguma coisa a mudar na "fábrica de sonhos"?

****** BELEZA AMERICANA (American Beauty), de Sam Mendes (EUA, 1999), com Kevin Spacey, Annette Bening, Thora Birch, Scott Bakula, Mena Suvari, Peter Gallagher, etc. 121 min; M/ 16 anos.


Sam Mendes

“American Beauty” assinala a estreia de Sam Mendes na realização. Nascido em Inglaterra, em 1965, com uma profunda ascendência portuguesa, estudou na Universidade de Cambridge, tendo começado a trabalhar no Chichester Festival Theatre em 1987. Dirigiu Judi Denche, em “The Cherry Orchard”, e em 1990 transferiu-se para a Royal Shakespeare Company, onde se tornou notado com encenações de “Troilus and Cressida”, com Ralph Fiennes, “Richard III” e “The Tempest”. A partir de 1992, Mendes passa a director artístico da Donmar Warehose em Londres e conhece alguns grandes êxitos e colecciona vários prémios, em encenações de “Cabaret”, “The Glass Menagerie”, “Company”, “Assassins”, “Glengarry Glen Ross”, “Habeas Corpus” e “The Front Page”. Mais recentemente, dirigiu Nicole Kidman, em Londres e na Broadway, em “The Blue Room”, e recebeu a consagração com a produção londrina de “The Rise and Fall of Little Voice”.
Considerado presentemente um dos mais prestigiados encenadores mundiais, a sua estreia no cinema dá-se pela mão de Steven Spielberg, que o convida para dirigir “American Beauty”, para a Dreamworks, sobre argumento original de Alan Ball, que aqui também se estreia no cinema, depois de uma longa carreira como argumentista de televisão. /
in "A Bola", de 13.2.2000

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