LA_Arquivo

Uma recolha de críticas da autoria de Lauro António, aparecidas em diversas publicações portuguesas.

domingo, junho 25, 2006

E. ELIAS MERHIGE:
“A SOMBRA DO VAMPIRO”

Friedrich-Wilhelm Murnau, realizador de filmes como “Nosferatu”, “O Último dos Homens”, “Tatufo”, “Fausto”, “Aurora” ou “Tabu”, foi um dos maiores cineastas do cinema alemão, um dos autores mais importantes do expressionismo, um dos vultos maiores do cinema mudo, que viria ainda a ter um contributo notável durante o início do sonoro, até desaparecer prematuramente, com 42 anos, vítima de um acidente de automóvel.
Dado a excessos de várias ordem, com uma vida envolta numa áurea de mistério (homossexualidade, drogas?) que construiu sobre si um mito, Murnau morreu como viveu, prolongando a lenda que sobre si próprio se criara. Uma das suas obras mais polémicas nesse aspecto é precisamente “Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens”, rodada em 1921, estreada a 5 de Março do ano seguinte, e que contem vários enigmas nunca resolvidos, entre eles a origem e a verdadeira personalidade do actor que interpreta a figura do vampiro, e que ficou conhecido por Max Schreck (obviamente um pseudónimo: Schreck significa qualquer coisa entre susto, arrepio, medo...). Na verdade, nunca se soube quem realmente interpretou este papel, e chegou mesmo a circular a tese de que teria sido o próprio Murnau a encarnar a figura.
Aproveitando este clima de mistério e enigma, que a presença do “vampiro” acentua de forma dramática, Steven Katz, que já havia escrito “Entrevista com o Vampiro”, pega no tema e transforma-o num guião que aborda as circunstâncias da rodagem de “Nosferatu”, e as relações entre Murnau, o seu actor fetiche e demais equipa. Uma vez terminado, Katz dá o guião a ler a Nicolas Cage, que se propõe produzi-lo, conjuntamente com Jeff Levine, seu produtor habitual, entregando a realização do mesmo a E. Elias Merhige, que se havia notabilizado com uma auspiciosa obra de estreia, “Begotten”. Para a dupla que protagoniza o confronto entre o realizador e o actor, Nicolas Cage pensou de imediato, “nos seus actores preferidos”, John Malkovich (na figura de Murnau) e Willem Dafoe (na de Max Schreck), para lá de contratar um elenco de luxo, onde aparecem ainda Cary Elwes (Fritz Arno Wagner), Aden Gillett (Henrick Galeen), o entertainer e actor inlgês Eddie Izzard (Gustav von Wangenheim), Udo Kier (Albin Grau) e a belíssima Catherine McCormack (Greta Schröder).
O filme de E. Elias Merhige, ao mesmo tempo que relembra as peripécias que rodearam as filmagens de “Nosferatu” e a sede de um realismo “cientifico” do seu realizador (que leva a equipa técnica a trabalhar de bata branca, como se se tratasse de um grupo de cientistas, e faz tender o filme para um quase “documentário sobre um vampiro”), investe numa curiosa análise do trabalho do realizador, associando-o ao vampirismo. Logo no início da obra, Greta Schroder dá conta dessa ameaça, ao dizer que “no teatro o público lhe dá vida, enquanto no cinema a câmara suga-lhe vida.” “A Sombra do Vampiro” engendra assim uma ficção sobre os enigmas de “Nosferatu”, imaginando que Murnau teria contrato um verdadeiro vampiro, oferecendo-lhe como “cachet” o pescoço da bela Greta Schroder, que Max Schreck iria desfrutar no derradeiro plano da obra, antes do sol o reduzir a cinzas.
Cuidada reconstituição de época, inteligente escrita de guião, boa direcção de actores (Willem Dafoe, candidato ao Oscar de Melhor Actor, tem uma boa prestação, mas já lhe vimos melhor), “A Sombra do Vampiro” fica-se, porém, um pouco áquem das expectativas criadas, faltando-lhe alguma densidade, um sopro de talento mais intenso, e menos decorativo, para transformar esta obra num verdadeiro momento único na história do cinema fantástico. Interessante, inteligente, eficaz, mas sentimos sempre que falta algo a este filme para ser “grande”.

A SOMBRA DO VAMPIRO (Shadow of the Vampire), de E. Elias Merhige (EUA, 2000), com John Malkovich, Willem Dafoe, Cary Elwes, Aden Gillett, Eddie Izzard, Udo Kier, Catherine McCormack, etc. 93 min; M/12 anos. in "A Bola", de 6.05.2001

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