LA_Arquivo

Uma recolha de críticas da autoria de Lauro António, aparecidas em diversas publicações portuguesas.

sábado, junho 24, 2006

PAULO ROCHA:
“A RAIZ DO CORAÇÃO”

Paulo Rocha, depois de um belíssimo “O Rio de Ouro”, regressa a Lisboa, trinta e tal anos depois de “Os Verdes Anos” (1963), e regressa de forma não muito inspirada (é o menos que se pode dizer deste “A Raiz do Coração”). Parece que no início o quer se pretendia era realizar um “musical”, mas dificuldades várias fizeram o projecto ficar-se a meio caminho entre a sátira política e a fantasia.
Ambientado em Lisboa, no ano de 2010 (não se percebe muito bem porquê, dado que nada distingue a Lisboa de hoje dessa Lisboa 2010, a não ser o facto de as ruas serem disputadas por bandos de para-militares ao serviço de um candidato à câmara da capital e grupos de estouvadas “darg queens!), “A Raiz do Coração” fala-nos de Catão (Luís Miguel Cintra) que anda em campanha para assumir a presidência do município, com palavras de ordem de um nacionalismo requentado (apologia da família, da ordem, da segurança, invectivando a droga, a prostituição, etc. , etc.). Acontece que, enquanto nos comícios, protesta contra tudo isso, na vida privada consome cocaína e vive obcecado por uma tal Silvia (Joana Bárcia), que nascera rapaz e lhe consumara as fantasias mais secretas desde tenra idade. Temos assim, mais uma vez, a velha teoria de que “bem prega a direita nacionalista”, podendo todavia acrescentar-se que o melhor é “fazer o que ela diz, não fazer o que ela faz.” Na verdade, em “A Raiz do Coração”, não estão em causa os conceitos, a ideologia fascista de um candidato, mas o facto dele proclamar certos valores, e depois viver fora deles na sua intimidade. Bem mais interessante seria discutir a própria ideologia, do que parodiar pelo enésima vez os maus costumes dos “nacionalistas”. Ainda por cima sem grande graça, e sem nenhuma originalidade.
Mas o filme é ainda completamente falhado no plano da fantasia musical: os grupos de “drag queens” e travestis que invadem as noites de Lisboa são pouco menos que ridículos, os pelotões de polícias privados meras anedotas que se voltam contra o filme. Se a fotografia de Elso Roque é por vezes brilhante, dando-nos uma Lisboa excelentemente iluminada e enquadrada, se a escolha dos cenários naturais é notável, mostrando como Lisboa pode ser uma cidade profundamente fotogénica e cinematográfica, o argumento de “A Raiz do Coração” nunca arranca de um confrangedor convencionalismo. Há cenas em que tanto a realização como a direcção de actores são francamente deficientes (Catão a ser entrevistado pela imprensa nos corredores do município; o ataque das milícias armadas aos travestis junto ao rio; a morte de uma das “drag queens”; o ataque das “drag queens” às milícias no castelo de S. Jorge; o comício do castelo de S. Jorge com um saltitante Miguel Guilherme que tão depressa está no palanque como junto a umas escadas, como logo a seguir de novo junto ao “leader”, etc.).
Escrito por Paulo Rocha, Raquel Freire, Regina Guimarães e Jeanne Waltz, com música original de José Mário Branco (por vezes bastante boa), “A Raiz do Coração” representa um passo em falso na carreira de Paulo Rocha. Uma derrapagem que nem a presença de actores como Luís Miguel Cintra e Isabel Ruth consegue atenuar, muito embora ambos tentem erguer personagens com alguma densidade e credibilidade. Mas o registo de representação que o filme escolheu, entre o realismo e a fantasia, entre a denúncia da corrupção política e a farsa fantasista “à la Fellini”, nunca se impõe, arrastando no equívoco toda a equipa. A sombra de Pedro Almodovar anda também por ali, mas nunca pousa.

** A RAIZ DO CORAÇÃO, de Paulo Rocha (Portugal, 2001), com Luis Miguel Cintra (Catão), Joana Bárcia (Silvia), Melvil Poupaud (Vicente Corvo), Isabel Ruth (Ju), Miguel Guilherme (Oscar), António Durães (Infante), Filipe Cochofel (Lucas), Fernando Heitor (Roberta), José Manuel Rosado (Filipa), Fernando Santos, etc. 114 min; M/ 121 anos.

Os Filmes de Paulo Rocha

1963 - Os Verdes Anos
1967 - Mudar de Vida
1971 - Sever do Vouga... Uma Experiência
1972 - A Pousada das Chagas
1978 - A Ilha dos Amores
1984 - A Ilha de Moraes
1987 - O Desejado
1993 - Oliveira, o Arquitecto
1993 - Portugaru San - O Sr. Portugal em Tokushima
1995 - Shohei Imamura - Le libre penseur (TV)
1998 - O Rio do Ouro
2000 - A Raíz do Coração

in "A Bola" de 28.1.2001

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